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Biel Costa: O som da luta contra as regras na cena do Funk paulistano

  • Foto do escritor: SIMtetizando
    SIMtetizando
  • 22 de out.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 29 de out.

DJ Biel Costa Tocando
DJ Biel Costa Tocando

No coração barulhento de São Paulo, onde o ritmo do funk dita a batida da noite, surge uma figura que, aos 23 anos, mostra bem as alegrias e as dificuldades da cultura brasileira. Gabriel Sevilhano da Costa, o DJ Biel Costa, é mais do que um nome que começa a fazer sucesso; ele é um exemplo de como é preciso ser forte e se reinventar em um mundo da música que, ao mesmo tempo, eleva e derruba artistas. Formado em publicidade, mas DJ por uma paixão que não dá para controlar, Biel vive na corda bamba entre o emprego seguro e o sonho grande da arte. Ele representa a difícil realidade de quem está começando na música no Brasil de hoje. Sua "bruxaria" - um tipo de funk Mandelão com batidas fortes, sons "misteriosos" e um ritmo que quase te hipnotiza - não é só um estilo de música. É a trilha sonora de uma resistência, um som que vai contra tudo o que tenta calar a originalidade.


Mas essa história não é só sobre batidas e melodias. A vida de Biel é uma jornada de superação, uma briga pessoal e pública contra um sistema que, muitas vezes, parece feito para acabar com o talento puro, para roubar as ideias novas e para lucrar com a arte sem se importar com a alma. É uma reflexão sobre quem é o dono de uma obra na era digital, sobre como é incerta a vida de um artista e sobre o preconceito social que ainda insiste em julgar manifestações culturais populares.



O começo difícil: Quando a criação é roubada em tempos de mudança


A paixão pela música nasceu em Biel ainda criança, aos doze anos, quando os sons eletrônicos embalavam seus pensamentos. Mas foi na energia do funk, um ritmo que ele abraçou com muita força, que veio o primeiro grande machucado em sua jornada. Um golpe que veio, de forma irônica, não de fora, mas de dentro do próprio universo que ele queria conquistar: roubaram sua criação.


Um pendrive, cheio de horas de trabalho, mixagens e ideias de ritmo, sumiu e, pior, seu conteúdo foi tocado por outro DJ em um evento. A música, que ele mesmo criou, agora tocava em um palco alheio, recebendo aplausos para outra pessoa. 


"Aconteceu de roubarem meu pendrive e tocarem minhas músicas em um evento. O DJ, tipo, ganhar um certo reconhecimento no cenário universitário. E ninguém saber que fui eu que planejei todo o set, eu que montei tudo, sabe? Então, tipo, chegou a ser muito desanimador na época"

Esse episódio não foi só a perda de algo material; foi um ataque à sua identidade como criador, um roubo de ideia que balançou sua confiança. É uma lição dolorosa, que muitos artistas sem a proteção legal adequada conhecem bem, sobre como é frágil ser dono de uma obra em um ambiente onde a originalidade, em vez de ser valorizada, é muitas vezes levada. Para um artista em formação, que busca reconhecimento, ver seu trabalho copiado e os aplausos irem para outros é uma das piores lições sobre como o mundo da arte pode ser injusto.




A dança dos contratos e o preço da liberdade artística


Conforme o nome de Biel Costa começava a ser conhecido, os desafios, que antes eram pessoais, viraram problemas burocráticos e legais, as regras escondidas que guiam (e muitas vezes apertam) a indústria da música. A sua passagem pela produtora Love Funk, que aumentou muito sua visibilidade, acabou em um fim de contrato bem complicado. "Eu fazia parte da Love Funk, e aí eu tive problemas internos e jurídicos também... eu preferi rescindir o meu contrato".


O resultado foi um ano de silêncio forçado, uma pausa que, para um artista que está começando, é como um período de esquecimento profissional. No mundo da música, onde as pessoas esquecem rápido e a atenção é difícil de conseguir, perder o ritmo pode significar ser esquecido e perder chances.


Hoje, Biel está no meio de um novo problema legal, devido a um projeto ambicioso: um EP com remixes do famoso "Summer Eletro Hits", mas com o estilo cru do funk Mandelão e Bruxaria. A produtora que o ajuda, com medo de processos por direitos autorais, não quer lançar o trabalho. A resposta do DJ, corajosa e quase imprudente, mostra o quanto é difícil para um artista sem apoio: "Eu decidi que eu vou lançar por mim mesmo e lidar com os problemas judiciais disso" 


Essa decisão, que o coloca na linha de frente de uma possível briga na justiça, é um grito de liberdade. Mas também é um sinal de que falta um suporte forte, como ajuda legal e financeira, que poderia protegê-lo dos desafios de um mercado sem piedade. Negociar direitos autorais, nesse cenário, é como andar em um campo minado. Biel mostra a dificuldade com artistas nacionais que, em vez de parceiros, se tornam obstáculos financeiros: "Meu maior problema é com artistas nacionais. Porque eles querem sempre a maior parte financeira da música", dando o exemplo de um MC que pede 50% dos lucros por um pequeno trecho de voz. Essa realidade complica as parcerias e torna o lançamento de projetos, principalmente para quem não tem muito dinheiro, quase impossível.



As contas da alma: Viver de música no limite da sobrevivência


A ideia romântica da vida de artista, muitas vezes alimentada por histórias de sucesso rápido e riqueza, costuma esconder a difícil realidade financeira que assombra a maioria dos artistas. Biel, como alguém que anda entre dois mundos, precisa equilibrar sua paixão enorme com um "trabalho do dia-a-dia", o que o segura para não afundar em um mar de incertezas. A música, nos seus primeiros anos e muitas vezes depois, raramente dá o sustento necessário, desfazendo a ideia errada de que "artista ganha dinheiro" e mostrando a verdade dura sobre os ganhos em plataformas de streaming.


"A cada mil visualizações no Spotify, eu ganho mais ou menos sete centavos de dólar. E aí eu tenho que pagar, tipo, 20% pra cada artista", ele revela. Com um retorno tão pequeno, o artista é forçado a assumir muitos papéis, virando seu próprio gerente de marketing, produtor, contador. A divulgação, essencial para sobreviver em um mercado lotado, é feita com tráfego pago, um gasto que "sai do seu próprio bolso, pois 'a gravadora, tipo, eles não dão essa ajuda de custo'" 


Essa falta de dinheiro, que impede o artista de crescer plenamente, vem junto com uma pressão social e familiar. A família, que no início ajudou na compra do primeiro equipamento, ficou dividida quando a música deixou de ser um hobby e virou uma profissão, bem diferente do que se considerava um "emprego de verdade". A falta de compreensão e a expectativa por uma segurança financeira que a arte raramente oferece, principalmente no começo, adicionam mais um peso à já carregada rotina do artista.



Nos palcos da briga: Preconceito, perigo e a luta pelo som


O funk, gênero que Biel abraçou e transformou com o estilo único da "Bruxaria", é um espelho das tensões sociais do Brasil. Ele carrega um preconceito antigo, que aparece em grupos "intelectuais" ou "universitários", e uma falta de entendimento da política que vê a riqueza da cultura como um estereótipo simples. "Inclusive, os políticos acham que funk e rap é tudo igual", observa Biel, com um tom que mostra não só desilusão, mas também a continuação de uma batalha cultural que parece não ter fim.


Essa visão limitada não só diminui o valor da riqueza e diversidade do funk, mas também cria barreiras invisíveis que limitam as chances e a aceitação dos artistas. A estranha popularidade de estilos como a "Bruxaria" em grandes eventos, mesmo que traga visibilidade, pode gerar uma "perda de graça" para o público original. É como se a essência, a identidade forte do gênero, fosse diluída numa tentativa de fazê-lo se encaixar, perdendo seu significado principal.


Além do preconceito, a realidade dos shows em bailes funk é cheia de perigos e incertezas. Biel conta um cenário, onde a arte é feita sob ameaça: 


"Em baile funk a gente tem diversos problemas. Sei lá, normalmente quando eu vou tocar em baile funk atualmente, eu não levo meu equipamento, porque você nunca sabe o que pode acontecer" 

O medo de arrastões, ações policiais sem motivo e o roubo de equipamentos o levam a tomar medidas drásticas, como tocar usando aplicativos no celular. Uma solução arriscada que, ainda assim, representa uma tentativa de proteger o que resta de sua ferramenta de trabalho e sua paixão.


Mesmo em lugares supostamente mais organizados, como baladas e casas noturnas, o boicote escondido aparece. O DJ relata a experiência com técnicos de som que, de forma inexplicável, abaixam o volume de suas apresentações. Essa pequena agressão, sutil e perigosa, não só prejudica a qualidade do show, mas também mancha a fama do artista, que pode ser visto erradamente como o culpado pelo som ruim. Em um ato de defesa e afirmação, Biel passou a levar sua própria caixa de retorno e a se recusar a tocar em lugares que não respeitam sua arte. Uma atitude que exige coragem, mas que pode custar oportunidades valiosas em um mercado que já é tão difícil.


A autenticidade como último abrigo:


Em meio a tanta pressão para se encaixar, para suavizar seu som em fórmulas mais fáceis de vender, Biel Costa trava uma batalha sem fim para manter sua identidade e honestidade artística. Sua dedicação à "Bruxaria" não é apenas uma escolha de estilo; é um ato de resistência. Seu sonho de misturar a música eletrônica em seus sets mostra um desejo de resgatar a paixão original, de manter acesa a chama que o moveu. Ele se recusa, de forma definitiva, a tocar músicas que não combinam com sua proposta, mesmo que isso signifique desagradar parte do público ou perder bons contratos.


Infográfico sobre os diferentes estilos de Funk.
Infográfico sobre os diferentes estilos de Funk.

"Dificilmente eu aceito um pedido quando eu tô tocando música... Só se eu achar que se encaixa naquilo que eu quero passar, ou se encaixa naquilo que faz parte do meu repertório, e aquilo que eu, tipo, planejo que as pessoas associem à minha imagem" 

Essa postura firme, embora essencial para construir uma marca verdadeira e um legado duradouro, é um desafio gigante em um mercado que, muitas vezes de forma preocupante, prefere o que é passageiro, o popular, "o que vende", em vez da verdadeira expressão artística e da criatividade profunda.



A melodia da força: Um artista contra a corrente


A história de Biel Costa é um retrato claro das dificuldades enfrentadas por muitos artistas novos no Brasil, uma jornada que vai do desânimo inicial causado pelo roubo de sua arte à luta constante contra a burocracia das gravadoras, das dificuldades financeiras que exigem malabarismos diários ao preconceito profundo e aos perigos reais dos palcos. Cada passo de Biel é uma prova de fogo, que parece feita para testar os limites da paixão e da persistência.


No entanto, é justamente nessa luta intensa que mora a força e a originalidade inegável de artistas como Biel. Sua paixão inabalável, a vontade de mostrar "o que eu realmente gosto", é o que o impulsiona a superar cada obstáculo, a vencer cada barreira imposta pelo sistema. Biel Costa não só toca música; ele a vive, a respira, a molda com as mãos de quem sabe o valor da criação. Sua "Bruxaria" sonora é uma força que arrepia, que mexe, que questiona e, acima de tudo, que conecta.


Ele é a prova mais clara de que, apesar das dificuldades enormes, a arte sempre encontra uma brecha para florescer. Que a força de vontade é, no fim das contas, a principal melodia na jornada de um artista novo que se recusa, custe o que custar, a calar sua voz, a abrir mão de sua verdade. Sua "bruxaria" é, portanto, não apenas um estilo, mas um jeito de viver, um grito de liberdade que ecoa na selva do funk de São Paulo.



Escute e apoie o trabalho de Biel Costa



Projeto "Summer Eletrohits" citado:






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