top of page

Joca: A visão do funk através das lentes

  • Foto do escritor: SIMtetizando
    SIMtetizando
  • 16 de set.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 29 de out.

ree

Nas ruas e nas mídias digitais de São Paulo, onde o flash encontra as batidas, Joaquim Souza, conhecido como Joca, é a lente por onde o funk brasileiro se vê e se mostra, uma força criativa que, com a câmera na mão e o coração na rua, muda a forma como o audiovisual de um estilo musical é feito. Diretor, fotógrafo e editor, ele se tornou uma das vozes visuais mais autênticas de uma geração que enxerga o funk não apenas como música, mas como expressão cultural, identidade e ferramenta de transformação social. Joca, com apenas 22 anos, não apenas filma, ele traduz a energia de uma geração que vive o funk como parte de quem é. 


Origens e o Chamado Irrecusável

A história de Joca parece ter sido escrita antes mesmo de ele começar a filmar. Filho de um diretor e editor, de uma atriz e de um padrasto roteirista, sua infância foi um laboratório de histórias visuais e sonoras. Câmeras, roteiros, a linguagem do cinema, tudo isso fazia parte do seu dia a dia. Mesmo assim, houve um tempo de certa resistência. "A vida toda falaram que eu ia trabalhar com isso, e eu sempre quis negar", conta Joca, refletindo sobre a busca por seu próprio caminho, mesmo quando tudo parecia apontar para uma direção. 


Essa negação, porém, foi apenas o começo. Aos 15 anos, o gosto pela edição de vídeo, que começou como um hobby para canais de games no YouTube, virou paixão. A brincadeira se mostrou um chamado, abrindo o caminho que o levaria de volta ao trabalho da família, começando como editor.


Mas, se a herança artística lhe deu o mapa, foi a periferia que lhe deu a direção. Joca, um garoto que desde os 12 anos já "colava em baile funk", encontrou sua verdadeira escola nas ruas. A cultura do funk, com sua energia vibrante e sua capacidade de dar voz a uma sociedade muitas vezes esquecida, foi o lugar onde sua arte nasceu. 


Sua câmera, emprestada dos pais, virou uma extensão do seu olhar, capturando a vida, a arte e a realidade dos bailes, transformando-as em vídeos para amigos que estavam começando na música. 



Para ele, não era só um hobby ou um trabalho; era um compromisso, uma ajuda importante para um movimento maior: "colocar de alguma forma a minha pedrinha lá, tipo, fomentar e ajudar essa cultura".


A virada:  Da época de escola ao crescimento natural


O momento decisivo na carreira de Joca, aquele que confirma um talento que estava começando, aconteceu ainda na escola. Seu pai, com a agenda cheia, deu a ele um projeto grande: editar um videoclipe de L7nnon e Papatinho, com a participação do campeão olímpico de surfe Ítalo Ferreira. Foi uma aposta que mudou tudo.



Joca editou "quase tudo sozinho", recebendo os créditos e o reconhecimento inesperado dos colegas. A repercussão abriu as portas do seu futuro, e os artistas, um a um, começaram a procurá-lo. Nomes como Nego Truffa, GP, Ryan e IG, aos poucos, passariam a ter a marca visual de Joca.


Sua parceria estratégica com o MC IG é um capítulo importante em seu crescimento. Mesmo morando em Portugal, o funk continuava forte dentro dele. Ele enfrentou a dificuldade de não ser respondido em mensagens e nas portas de hotéis, em uma busca constante por contatos. A insistência o levou a Ferrari, um artista que fazia o autotune para o MC IG. A coragem de Joca resultou na produção de um videoclipe gratuito para Ferrari, um investimento em seu trabalho e em novas relações que trariam muitos frutos.



Essa iniciativa abriu as portas para que ele trabalhasse como fotógrafo e cinegrafista em um show do MC IG, preenchendo uma falta na equipe. A facilidade com que ele assumiu essas funções fez com que, aos poucos, ele virasse o diretor dos videoclipes do MC IG. Hoje, Joca faz parte da equipe de um dos maiores nomes do funk, um criador de imagens que entende a importância de seu trabalho: 



A coragem de fazer do seu jeito


A mudança de editor para diretor e fotógrafo foi, em grande parte, de ter uma curiosidade e à aversão ao que era tradicional. Enquanto muitos buscam a segurança de um emprego formal, Joca via nisso as amarras de horários fixos e a necessidade de obedecer a "patrões". Seu espírito livre pedia para "botar a mão no movimento", para deixar sua marca, para ser o criador da sua própria visão. Ele aprendeu na prática, usando a câmera dos pais, e completou esse desejo de conhecimento com estudos formais na Escola Superior De Comunicação Social, em Portugal, onde melhorou seu trabalho e aumentou seu conhecimento cultural.


Mas a paixão, por mais forte que seja, muitas vezes esbarra na necessidade de ganhar a vida. Joca é direto sobre a situação financeira dos videoclipes de funk, um setor que ele descreve como "carente de incentivos e recursos". Embora hoje consiga se sustentar, sua motivação vai além do dinheiro. "Se eu quisesse grana mesmo, ficava na publicidade", ele diz, com clareza. Para ele, o videoclipe de funk é "amor e responsa", uma arte que dá "imagem pra música, cria identidade pro artista". Sem essa parte visual, muitos nomes que hoje fazem sucesso não teriam chegado onde estão. É uma satisfação que se mede pelo impacto cultural, não apenas por valores bancários.



A análise crítica e a criação da identidade artística


No cenário atual, onde a velocidade do TikTok muitas vezes esconde a profundidade, Joca mantém uma visão crítica e atenta sobre a indústria. Comentários de artistas como MC Hariel e Anitta, que questionam o valor de investir em videoclipes por causa do retorno menor na era digital, são vistos por ele como uma forma de pensar apenas "comercial". Para Joca, essa visão ignora a principal função do videoclipe: a construção da identidade e da imagem do artista.



Ele argumenta que, embora a análise financeira faça sentido para o mercado, ela não reconhece que o videoclipe é o espelho onde o artista se mostra ao mundo, indo além do valor em dinheiro para se tornar uma parte fundamental da expressão artística.


O processo de criação: Transformação, novidade e os obstáculos


O processo de criação de Joca é uma mistura de transformação e novidade. Ele descreve seu trabalho como uma "brincadeira de transformar o que o cara tá cantando em realidade, tipo, em um filme", mergulhando na música, ouvindo-a várias vezes até que as imagens se formem em uma história visual. Mesmo respeitando as regras do funk, ele sempre busca ir além, procurando histórias e elementos diferentes. Filmar em uma farmácia, com o artista atrás de um balcão e mulheres de jaleco, é um exemplo de como ele consegue colocar humor e o inesperado sem perder a essência do estilo.


A parceria com o artista é o coração do seu trabalho. Ele apresenta os roteiros para aprovação, tentando unir suas próprias ideias com o "sonho" dos MC’s, garantindo que o resultado final seja uma combinação que mostre as duas visões.


No entanto, a produção de videoclipes está cheia de dificuldades. A pré-produção é uma fase com muitos conflitos de ideias e limitações dos artistas, para quem a música é "o sonho, a música da vida dele". Há questões delicadas de artistas que não podem gravar em certas baladas por brigas, ou não podem aparecer com mulheres por serem casados. A organização e o dinheiro são os maiores obstáculos, pois a realização das ideias esbarra nos custos de locais e equipamentos. "A gente não tá em Hollywood", ele lembra, com um tom de quem aceita a realidade.


A fase de planejamento, a "mais chata" e cansativa, exige organizar as agendas de vários artistas, da equipe e dos figurantes, o que gera muita ansiedade. O dia da gravação, por sua vez, raramente segue o roteiro. É preciso ser sempre flexível, adaptando-se a lugares ruins, ao humor do artista ou à falta de itens planejados. Visitas técnicas, nesse meio, são algo raro.


Por fim, a pós-produção, ou edição, é vista como "50% do trabalho", um "quebra-cabeça" montado sob a pressão de prazos apertados, às vezes apenas dois dias, em média uma semana. Joca precisa lidar com imagens que não ficaram boas, trechos faltando, e a criatividade se torna a ferramenta para resolver problemas, finalizar a "base" antes de aplicar cor e efeitos, evitando ter que refazer tudo.


O impacto do TikTok e a responsabilidade da imagem


Joca entende muito bem a grande influência do TikTok e do consumo rápido de vídeos curtos. Essa mudança criou uma nova forma de interação com os videoclipes, com o público preferindo ouvir a música enquanto faz outras coisas, em vez de assistir ao vídeo completo.


Essa nova realidade traz um desafio direto: prender a atenção do espectador nos primeiros segundos. "As pessoas vão ver meu clipe, elas vão ter 5, 6 segundos ali pra se interessar no máximo", ele observa, consciente de como a atenção é passageira na era digital. Mesmo não usando muito o TikTok pessoalmente, Joca reconhece seu poder como ferramenta para divulgar o trabalho e a imagem do artista.



Ele tem total consciência da enorme responsabilidade que seu trabalho tem na criação e na forma como um artista é visto. O videoclipe e a fotografia são, para ele, os pontos mais importantes de como um artista se mostra e se posiciona no mundo. Ele acredita que grande parte da identidade de um MC é construída por essa imagem visual. Ele destaca a necessidade de pensar sobre como serão vistos pelo público, especialmente porque muitos artistas são exemplos para crianças e outras pessoas. 



Ele completa essa ideia, usando o exemplo do MC IG, que "não representa só um MC", mas "é um preto em ascensão que ganhou milhares de coisas", cuja imagem cuidadosamente construída é um reflexo de uma parte da sociedade.


Equilíbrio de estilos e sonhos globais


Em seu trabalho artístico, Joca busca um equilíbrio delicado entre sua própria visão e a identidade já conhecida do cliente. Embora tenha liberdade para criar e um estilo único, ele entende que o "sonho" do artista é o mais importante. No entanto, ele também vê a chance de colocar partes do seu estilo pessoal, como a técnica fotográfica que usa "tempo de obturador um pouco mais demorado", criando uma imagem "meio tremida" que "parece uma pintura". Essa mistura de estilos deu certo, com o MC IG usando uma foto nesse estilo para divulgar seu álbum, mostrando que é possível "surfar a onda" da cultura sem deixar de "ser você mesmo" para se destacar.


Olhando para o futuro, Joca não quer apenas firmar seu nome no funk, um desejo que sempre o motivou, mas também ir além das fronteiras. Ele sonha em trabalhar com artistas famosos internacionais como Travis Scott, e conhecer diversas culturas pelo mundo, usando o audiovisual como forma de contar histórias e viver novos movimentos. Sua experiência em Portugal, onde aprendeu sobre a cultura africana, apenas fortaleceu esse desejo de uma arte sem limites de lugares, que busca "fazer parte de culturas e conhecer esses movimentos".



Joaquim Souza, ou Joca, não é apenas um criador de imagens; ele é um contador de histórias visuais, um tradutor da essência do funk, um artista que, com sua câmera, não apenas registra, mas valoriza e dá um novo sentido à cultura que corre em suas veias.



Comentários


bottom of page