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Tory Dru, rapper de família pagodeira

  • Foto do escritor: SIMtetizando
    SIMtetizando
  • 23 de set.
  • 11 min de leitura

Atualizado: 29 de out.



Em um panorama musical brasileiro que, não raro, se rende à conveniência de narrativas pré-moldadas e estereótipos que o mercado parece exigir, emerge uma voz que não apenas se recusa a ser categorizada, mas que reescreve as regras de autenticidade a cada batida. Conheça Tory Dru, ou melhor, Vitória Drummond, uma paulistana de 28 anos que não só canta, mas exala a complexidade de uma jornada singular, pavimentada por paixão, resiliência e uma sede inabalável por liberdade criativa. Ela, sem dúvida, desafia as convenções da indústria e as teias das expectativas sociais.


A árvore genealógica de Vitória já apontava para o palco: filha do consagrado Salgadinho, ex-Katinguelê, ela foi criada em um ambiente onde a arte e, em especial, a música eram o próprio ar que se respirava. Contudo, em um movimento que anunciava desde cedo a força de sua individualidade, Tory escolheu um caminho sonoro distinto. Longe das rodas de samba e pagode, ela mergulhou no universo do Rap e do Funk, temperados com referências robustas de R&B, um território onde poderia forjar uma identidade própria, descolada da sombra paterna, sem, contudo, negar suas raízes.


A gênese artística de Tory Dru é coreografada. Antes mesmo de abraçar o microfone, seus passos já desenhavam sua paixão pela expressão corporal. Do ballet ao jazz, passando pelo street dance das atividades extracurriculares escolares, o movimento era sua linguagem primária. Essa ligação visceral com a dança naturalmente se expandiu para a música, encontrando seu ponto de inflexão na determinação de decifrar os acordes de "I'm Yours", de Jason Mraz, no violão. Foi essa canção, aparentemente trivial, que a guiou à sua primeira escola de música, lançando a semente do que viria a ser uma carreira marcada pela autoria.


O caminho da composição, no entanto, não foi um terreno livre de obstáculos. Tory, como tantos artistas que tateiam os primeiros versos, enfrentou a insegurança. Por muito tempo, uma voz interna ecoava que ela não seria "boa o suficiente" para tramar as próprias letras. 


Essa barreira autoimposta, universal entre criadores, foi superada de maneira orgânica e resoluta. As experiências vividas na Flórida, onde residiu, com sessões de jam e poetry slams, foram o cadinho onde sua habilidade lírica amadureceu e, mais importante, onde o temor de se expressar no palco se dissolveu, pavimentando o caminho para a artista confiante que hoje se revela.




A odisseia americana e a criação do nome (e da identidade)


A passagem de Tory pelos Estados Unidos não foi apenas um intercâmbio cultural; foi um período de profunda metamorfose. Lá, ela mergulhou na complexidade de ser imigrante e rapper, uma dualidade que moldou não só sua arte, mas sua própria identidade. 


O pseudônimo "Tory Dru" carrega em si uma história tão peculiar quanto sua trajetória. Nascida Vitória Drummond, a escolha do novo nome artístico foi, ironicamente, uma medida de autoproteção e anonimato durante um "caso migratório" delicado, que incluiu um casamento temporário para a obtenção do Green Card. Ela esclarece, com a leveza de quem já ressignificou o trauma:



Além da reinvenção nominal, a convivência em uma república habitada por outros artistas na Flórida foi um catalisador decisivo para seu amadurecimento musical. Um encontro de talentos e sonhos, como ela descreve:


"Eu fui morar numa casa cheia de artistas, com cantores e produtores. Um dos meninos que dormia no sofá andava com alguns produtores de Nova Iorque, eles me viram cantando, elogiaram minha voz e aí eu pensei que ia mergulhar nisso de cabeça."

Os desafios da língua


Tory Dru se estabeleceu como a principal arquiteta de suas obras, assinando a maioria das doze faixas de seu álbum de estreia. Seu processo de criação para o beat é um ballet colaborativo e dinâmico: ela chega ao produtor com uma visão cristalina, traduzindo sons com a boca, apresentando referências e especificando o BPM. Enquanto a melodia e a instrumentação ganham corpo, Tory tece as letras em um fluxo contínuo de criatividade, uma sinfonia simultânea de som e palavra.


A artista não poupa críticas à mentalidade brasileira, especialmente no Rap, que estigmatiza a co-composição, contrapondo-a à realidade internacional, onde grandes êxitos frequentemente resultam da colaboração de múltiplos compositores. Essa postura reafirma seu compromisso com a autoria, mas também sua abertura a parcerias quando elas fazem sentido.


Um dos grandes desafios de Tory tem sido a construção de pontes com o público brasileiro, em parte devido à sua natureza bilíngue. Muitas de suas canções mais conhecidas misturam idiomas, o que, embora reflita um "cérebro que funciona dessa forma", por vezes ergueu uma barreira para uma "conexão mais direta". Ciente dessa nuance, Tory projetou para 2025 uma mudança estilística significativa, buscando uma reconexão consigo mesma e, por extensão, com sua audiência.



Para superar essa barreira, Tory Dru adotou uma estratégia: focar 100% em músicas em português. Ela valoriza a colaboração nesse processo, garantindo que suas ideias e sentimentos sejam traduzidos com autenticidade e impacto, inspirada por artistas como KayBlack, que estabelecem uma conexão genuína com a periferia através da linguagem. 


Essa guinada visa também desmistificar a imagem de "filha do Salgadinho", revelando suas próprias vivências e "perrengues" por meio de uma linguagem mais acessível e palpável.


O labirinto do machismo na indústria do Trap e Rap


A vivência de Tory como mulher na efervescente cena de Rap e Trap é um testemunho eloquente dos desafios e da discriminação explícita que ainda permeiam o genero musical. Ela descreve um ambiente de machismo entranhado, onde mulheres são frequentemente avaliadas pela disposição em "abrir as pernas por oportunidade",uma postura que ela rechaça, mesmo que isso signifique a perda de trabalhos ou o silenciamento de suas gravações por produtores. 


Tory ilumina a dificuldade de ser percebida além da casca da aparência, sublinhando como homens tendem a formar círculos fechados, enquanto as mulheres são, com frequência, incentivadas a uma competição fratricida. Sua busca é por uma carreira que transcenda a fragilidade da beleza física, ancorada em algo duradouro, edificado sobre talento e substância.


A insegurança masculina é outro fantasma que ronda o avanço e a colaboração entre mulheres na música. Tory partilha uma experiência pessoal chocante de um relacionamento com um trapper que a coibia de ir ao estúdio ou de interagir com amigos, temendo que ela "queria dar para eles". Esse comportamento, ela observa, é um reflexo de uma mentalidade de posse e competição, onde muitos homens enxergam as mulheres como ameaças que "vão tomar o lugar deles". Essa insegurança se manifesta na recusa em abrir estúdios, em incluir vozes femininas em músicas ou em apoiar suas carreiras.


A falta de representatividade feminina em grandes eventos e festivais é um ponto crítico. Line-ups com "15 homens e duas mulheres pequenininhas ali embaixo" tornaram-se a norma, apesar de muitas artistas femininas entregarem shows com maior produção e performance. A causa, aponta Tory, reside em organizadores que, muitas vezes, priorizam o lucro sobre a cultura ou a diversidade. A solução, segundo a artista, reside na mobilização incisiva dos fãs, que devem pressionar os contratantes a incluir mais artistas femininas, forçando uma mudança sistêmica.


Consciência social e empoderamento feminino para além da música


O Hip-Hop, em sua essência, nasceu como uma cultura preta. Ao abordar o tema, Tory Dru apresenta seu ponto de vista matizado sobre certos fatos. Ela aborda criticamente o "embranquecimento" do Trap e do Rap, uma saturação do gênero que atribui não apenas à falta de renovação, mas principalmente à venda de um lifestyle irrealista e inatingível.


A discussão aprofunda-se na alarmante lacuna de educação financeira entre muitos artistas. Tory desmascara a imagem de riqueza propagada nas redes sociais, revelando que muitos "trappers falidos" exibem carros e casas alugadas, vivendo uma vida de aparências. 


Ela relata casos de artistas que ostentam, mas imploram por dinheiro emprestado para contas básicas, enquanto esbanjam fortunas em vitrines. Essa irresponsabilidade financeira, aliada à ausência de uma "alma caridosa", é apontada como um dos motivos pelos quais a "favela não vence" de fato, perpetuando um ciclo de ilusão e desigualdade.


Apesar de a rapper considerar que os artistas pretos hoje são mais dominantes no cenário do Rap, ela ainda questiona a composição do público.


"Não sei se é por causa do Funk, que por ser o gênero mais escutado nas favelas, atrai muitas pessoas pretas e periféricas, mas hoje os festivais de Rap tem uma plateia majoritariamente de pessoas brancas. Acho que falta muita comunicação entre o rapper que está no palco com a galera, para que todos tenham consciência de onde estão."

A cantora complementa, citando Oruam como um exemplo positivo, um dos poucos que empreende ações comunitárias.


"Antes era necessário um grande estúdio para fazer uma música, hoje dá pra fazer com um celular, e foi assim que tomamos nosso lugar de volta (pessoas pretas no Rap), mas os cantores tem que focar nessa parte da comunicação."

No que tange o empoderamento feminino na música, Tory discute a complexidade de abordar temas como sexualidade e "putaria". Ela reconhece que, como mulher, muitas vezes é preciso "se objetificar um pouquinho" para conquistar espaço e atrair um público, especialmente o masculino. Contudo, ela também enxerga um lado empoderador nessa abordagem: ela permite que mulheres falem abertamente sobre sexo e seus desejos, um território tradicionalmente dominado pela narrativa masculina na música. 


Ela busca um equilíbrio, com músicas mais "calminhas" e outras mais explícitas, como seu "Putaria Pura", que ela, com um toque de humor, batiza de "música de manutenção". Tory enxerga valor em "abrir as portas pras mulheres entenderem que também tá ok falar sobre isso, viver isso, ser aquilo", desafiando estigmas e promovendo a liberdade de expressão feminina.




Independência criativa


Tory Dru demonstra uma visão lúcida e experiente sobre os contratos propostos por grandes gravadoras, enxergando-os como potenciais armadilhas para artistas desavisados. Apesar das diversas oportunidades, ela sempre se manteve em guarda, preferindo não comprometer sua liberdade e autonomia. 


Ela tece uma crítica afiada à dinâmica predatória, onde gravadoras oferecem um "advance" - um adiantamento financeiro - que deve ser integralmente reembolsado através dos lucros gerados pela música. Se o artista falha em saldar essa dívida, a gravadora assume um controle ainda maior sobre sua carreira e vida pessoal, tornando-se, em suas palavras, "seu dono".


Em conversas mais íntimas, a paulistana relata que essa prática é corriqueira entre gravadoras e artistas menos experientes, citando grandes nomes da música que caíram em "armadilhas" de grandes empresas, como Matuê e Kid Cudi.


Atualmente, Tory opera sob um modelo de contrato por música com a gravadora AWS, uma escolha que ela considera mais vantajosa para sua autonomia. A AWS detém 25% dos direitos de cada música e oferece uma infraestrutura robusta, que inclui acesso a estúdios, produtores, videomakers, "pitching" para plataformas e criação de capas. 


No entanto, a artista mantém um controle total sobre a direção artística, assegurando que o resultado final seja um espelho fiel de sua personalidade. Ela optou por não assinar um acordo que pudesse prometer dinheiro imediato, mas com consequências financeiras arriscadas no futuro, priorizando acima de tudo a liberdade criativa.


Essa liberdade criativa é, sem dúvida, um pilar inegociável para Tory. Ela recusou a venda de sua música para a Sony, preferindo "continuar caminhando devagarzinho" e cultivando a crença de que o sucesso florescerá de forma autêntica e controlada. Essa flexibilidade, ela compreende, permite a construção de um networking valioso, usando esses contatos como uma "carteirada" que abre portas sem necessariamente fechar outras. Tory entende que, no fundo, as gravadoras percebem os artistas como produtos, e por isso, manter a independência é uma forma sagaz de proteger sua arte e sua visão.



Autenticidade e estratégia na era digital


Tory Dru defende com vigor a autenticidade na imagem e comunicação como um pilar fundamental e inegociável. Ela se recusa a "vender uma coisa que não sou eu", mesmo diante da pressão para adotar estilos ou narrativas que não ressoam com sua realidade, como gravar clipes em favelas sem ter, de fato, crescido nelas. Ela critica o "fake lifestyle" propagado por muitos no Trap, onde a ostentação nas redes sociais serve de cortina de fumaça para dificuldades financeiras, contribuindo, em sua análise, para a saturação do gênero.



Tory busca comunicar sua identidade como uma mulher negra que desconstruiu padrões de beleza eurocêntricos, expressando essa jornada através de seu estilo. Ela complementa, descrevendo seu visual como um manifesto:


"Busco passar a imagem de quem eu sou; uma mulher negra que por muito tempo tentou se encaixar em padrões de beleza brancos. Tenho plástica no meu nariz porque achava que ele era muito grande, mas hoje tento ser eu, então eu faço essas unhas barulhentas, um cabelo dramático e isso mostra que sou uma mulher que não tem medo da opinião dos outros."

Essa postura ressoa profundamente com um público que valoriza a liberdade e a autoaceitação. Sua transição estratégica para músicas em português é, também, um componente essencial dessa busca por uma comunicação mais genuína e conectada com as vivências do público brasileiro.


O TikTok, ela reconhece, consolidou-se como uma força transformadora no mercado musical. Artistas, hoje, criam canções pensando especificamente em viralizar na plataforma, visando maximizar visualizações e engajamento. Tory utiliza as redes sociais como uma ferramenta multifuncional para engajamento e construção de sua marca pessoal, abraçando a máxima de que "qualquer marketing é marketing bom". Ela emprega as plataformas para exibir uma "verdade filtrada" de sua personalidade, permitindo que o público a conheça para além da figura da cantora, conectando-se com suas opiniões e experiências.


Um desafio que tem sido minuciosamente superado em sua jornada como cantora são as redes sociais. Tory confessa que antes não tinha paciência e jogo de cintura para produzir conteúdos virais, mas hoje a dinâmica é outra. Ela conta com o apoio de sua produtora para curar a parte visual de seus projetos, mas é ela quem define sua identidade e a maneira como deseja se apresentar ao público. Assim como outras personalidades que se sobressaem pela autenticidade, a rapper opta por um perfil orgânico, confiando em sua própria voz e imagem ao postar fotos e anunciar novas campanhas.


A importância do timing e de uma estratégia bem delineada nos lançamentos musicais é primordial. A cantora partilha a sua experiência de adiar o lançamento de seu álbum devido a contratempos comuns para artistas independentes. Ela compreende que a sexta-feira é o dia ideal para lançamentos, pois otimiza as chances de uma música ser inserida em playlists de plataformas de streaming. Seu primeiro álbum, "Out of the Dark", serviu como um teste, com músicas em inglês, bilíngues e português. Agora, Tory busca uma estratégia mais focada no português, calibrada pela recepção do público.


Futuro: Um Grammy no horizonte, com os pés no chão paulistano


Tory Dru possui uma visão límpida e ambiciosa para o futuro de sua carreira musical. Seu objetivo de curto prazo para o ano corrente (2025) é conquistar visibilidade na televisão brasileira, especificamente em algum canal ou programa da Globo. Essa meta demonstra um foco estratégico em expandir seu alcance e consolidar o reconhecimento em seu próprio país. Para o longo prazo, a artista aspira ao reconhecimento internacional de maior prestígio na indústria musical: a conquista de um Grammy.


A experiência com seu primeiro álbum, "Out of the Dark", foi um teste revelador sobre a importância capital da estratégia e da adaptação. A ausência de um direcionamento claro fez com que seu trabalho anterior não alcançasse todo o seu potencial de conexão com o público. Reconhecendo que "tem que ter uma estratégia", Tory decide focar 100% em músicas em português para o futuro, visando uma conexão mais direta e visceral com o público brasileiro. Ela demonstra, ainda, uma notável capacidade de adaptação ao perceber que, apesar de seus esforços para se conectar com o público feminino, é fundamental abraçar o público masculino já conquistado e buscar parcerias com artistas homens para ampliar seu alcance.


Para além do universo artístico, Vitória Drummond dedica parte de seu tempo a lecionar inglês para alunos focados em aprimorar a conversação, empregando toda a bagagem de aprendizado angariada nos Estados Unidos. A cantora utiliza sua faceta como professora para complementar a renda, reconhecendo a volatilidade do universo musical para artistas que ainda não contam com milhões de ouvintes em plataformas de streaming.


Tory Dru é, em sua essência, uma artista que personifica a inovação e a resiliência. Ela não se limita a criar música; ela constrói uma narrativa de vida, de luta e de autenticidade que ressoa profundamente com seu público. Sua jornada é um potente lembrete de que, no mundo da arte e dos negócios, a verdade e a estratégia, quando harmoniosamente alinhadas, são as chaves mestras para um sucesso duradouro e com significado.


Escute o álbum de Tory Dru no Spotify!



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