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O Funk Paulista como ferramenta de influência política nas periferias

  • Foto do escritor: SIMtetizando
    SIMtetizando
  • 23 de out.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 26 de out.

Dono da Love Funk declarando apoio a Pablo Marçal. Reprodução: Folha de São Paulo
Dono da Love Funk declarando apoio a Pablo Marçal. Reprodução: Folha de São Paulo

O Funk paulista superou o status de mero gênero musical para se consolidar como o principal meio musical dos jovens e um ter um poder político crucial na capital. A sua importância vai além da música, tornando-se uma forma de resistência e expressão política das zonas periféricas.


São Paulo abriga cerca de 2,5 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, um  número que representa mais de 20% da população total da cidade, com a maioria concentrada nas regiões marginalizadas. Essa juventude, geralmente excluída dos debates, encontrou no funk uma forma que ela é incluída. As grandes produtoras de funk, como a GR6 e a Love Funk, são responsáveis por grande parte desse acontecimento, com grandes audiências nas mídias digitais. 


GR6, por exemplo, possui 41 milhões de inscritos no YouTube, enquanto a Love Funk conta com 12 milhões. Essa presença digital transformou essas empresas em chamariz para áreas como a política. A atenção nessas regiões, agora mediada por essas plataformas, reflete um novo cenário, onde a cultura do funk se encontra dentro de uma disputa eleitoral por políticos.


A perda política da esquerda na periferia


Guilherme Boulos discursando em frente a sede da Prefeitura de São Paulo. Reprodução: Estadão
Guilherme Boulos discursando em frente a sede da Prefeitura de São Paulo. Reprodução: Estadão

A direita, buscando expandir sua influência nas periferias, entrou no jogo político ao reconhecer o potencial do funk como um canal de comunicação poderoso para a juventude das periferias. Historicamente, a esquerda esteve presente dentro delas, como figuras de Luiza Erundina (PSOL) e Marta Suplicy (PT), que representavam a voz das comunidades. Mas, as recentes mudanças indicam uma perda da esquerda, especialmente com o crescimento de "gatekeepers digitais", empresários do funk e líderes evangélicos, que não apenas controlam a cultura, mas também começaram a se ligar com os projetos de direita. 


A "plataformização" do apoio político, ou seja, a adaptação da politicagem ao mundo digital, se reflete na busca por visibilidade e viralização, priorizando as alianças com políticos que oferecem o maior retorno imediato, ainda que não tenha uma associação ideológica. Esse movimento está dividindo o funk, afastando-o das suas origens por completo, perdendo sua autenticidade e seu significado de criação.


O apoio da GR6 a Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito de São Paulo, é um marco na relação entre o funk e a política. Em fevereiro de 2024, Rodrigo Oliveira, fundador da GR6, estabeleceu uma parceria com a Prefeitura, com a promessa de reformas em quadras esportivas. Esta aproximação teve forte repercussão, pois associou diretamente a imagem do prefeito à juventude periférica, através da visibilidade digital da GR6. A estratégia não apenas fortaleceu a imagem de Nunes, mas também mostrou a transformação do funk em uma moeda de troca política, onde o apoio é conquistado através da associação com grandes plataformas da cena.


O apoio da Love Funk ao candidato Pablo Marçal (PRTB) expôs ainda mais a transação política que ocorreu dentro da cena. Henrique Viana, fundador da Love Funk, estabeleceu uma aliança com Marçal, apesar do candidato ter criticado duramente o funk em outras ocasiões, chamando-o de "drives mentais para psicopatas"


A aliança foi vista como oportunista, e o apoio da empresa ao pretendente para o cargo de prefeito da cidade, foi claramente estratégico, buscando maximizar o alcance político e financeiro, sem qualquer preocupação com a postura ideológica. Esses episódios mostram o grau de transformação dentro funk, em que as grandes produtoras priorizam alianças que trazem visibilidade e lucro, não se importando com a preservação das origens e identidade do movimento.


O maior exemplo do uso das mídias digitais dentro do cenário é a estratégia de monetização da cultura. Empresários como Viana e Oliveira, donos de umas das maiores produtoras de música, se tornaram intermediários do poder político, utilizando o alcance digital de seus canais para obter contratos lucrativos e acesso a uma regulação municipal mais favorável aos seus negócios. O apoio político a figuras como Nunes e Marçal não é apenas ideológico, mas também de troca. As alianças são feitas com base no retorno econômico imediato e na visibilidade proporcionada pelas plataformas.



O repúdio dos MC's


MC Hariel. Reprodução: Sobre o Funk
MC Hariel. Reprodução: Sobre o Funk

O apoio das grandes produtoras a candidatos de direita gerou uma profunda divisão dentro da cena. Artistas de peso, como MC Hariel, Filipe Ret e Djonga, se posicionaram contra essas alianças, denunciando a transformação do funk em uma ferramenta de captação política. MC Hariel, por exemplo, expressou seu repúdio de forma enfática, dizendo que não compactua com o apoio a candidatos que, segundo ele, não representam os valores da periferia. Para ele, essa aproximação política foi vista como uma traição às raízes do funk, que sempre se posicionou contra o sistema e a marginalização. Essa divisão interna revela a tensão entre a autenticidade do movimento funk, representada pelos artistas, e os interesses econômicos das grandes produtoras que buscam legalizar e lucrar com a cultura.



MC Hariel falando sobre as alianças politicas das produtoras. Reprodução: Metrópoles

O repúdio dos artistas é um alerta para a cultura não perder sua essência ao se aliar a projetos políticos que historicamente marginalizam e criminalizam o movimento. O Funk se vê agora em uma encruzilhada: de um lado, os empresários que priorizam a expansão dos negócios e o lucro, e, do outro, os artistas e a base cultural que lutam para preservar a identidade crítica e autêntica da cena. Esse conflito é intensificado pela percepção de que, ao se alinhar com a direita, o Funk está sendo usado como um instrumento para validar uma agenda que não é a sua, uma organização que frequentemente exclui a cultura e os valores da periferia.


Reconhecimento vs. Controle


Ricardo Nunes (no centro), durante apresentação de funk no Theatro Municipal de São Paulo. Reprodução: TAB Uol
Ricardo Nunes (no centro), durante apresentação de funk no Theatro Municipal de São Paulo. Reprodução: TAB Uol

A criação da Coordenadoria de Políticas Públicas do Funk pela Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes, representa o reconhecimento oficial do funk como uma manifestação cultural. No entanto, esse reconhecimento vem acompanhado de um controle seletivo, onde projetos e artistas que promovem o "funk limpo" (ostentação e pop funk) vão ser apoiados pela prefeitura, os representantes do funk marginalizado (como o "proibidão") são excluídos. Isso cria uma dinâmica onde o funk se vê na cultura da cidade, mas também preso  a uma regulamentação que limita sua expressão e identidade original.


A estratégia de Nunes de estabelecer uma política de "anti-apologia" ao crime na cultura do funk revela um controle moral que vem em oposição ao reconhecimento cultural. Essa lógica exclui artistas que são vistos como problemáticos, privilegiando o funk comercial que é mais facilmente controlado e legitimado pelo poder público.


Conversando com o DJ Biel Costa ele explica que quando algumas batidas “estoura a bolha” aquilo deixa de ser legal para o público que realmente consome o Funk


"Sei lá, acho que quando eles pararam de ouvir realmente o funk que é tocado nas universitárias, nos bailes, foi na época das eleições, porque as produtoras abraçaram candidatos que não condiz nada com da onde vem o funk. E alguns nomes políticos, tipo, o Chavoso da USP, que foi totalmente contra a Love Funk abraçar o Marçal. Muitas pessoas vão parar de ouvir as músicas da Love Funk, principalmente nos bailes, por conta desse viés político que eles abraçaram." 

O apoio da Love Funk e GR6 a candidatos de direita é um reflexo claro da vitória da lógica empresarial sobre a identidade ideológica. As grandes produtoras priorizam a monetização da cultura e sua transformação em uma ferramenta de poder político, distorcendo a essência do movimento. Essa transição da periferia para a esfera digital tem como consequência a perda de uma base política coesa e a transformação do funk em uma indústria massificada, onde o lucro e o alcance digital são os principais objetivos.


Para o movimento do Funk, é fundamental fortalecer estruturas culturais independentes das grandes produtoras, de modo a garantir que a cultura periférica não seja ofuscada por interesses corporativos e políticos. Para a esquerda, é essencial reavaliar sua estratégia de engajamento com a juventude periférica e desenvolver canais de comunicação que sejam mais diretos e alinhados com as demandas reais da comunidade, sem depender da mediação de grandes empresários do entretenimento.


Ano passado o sociólogo conhecido como Chavoso da USP fez um lançamento da primeira Frente Parlamentar do Funk do estado de São Paulo, e provavelmente do Brasil, construída pelo mandato da deputada Ediane Maria (PSOL) na ALESP e em articulação com a Frente Nacional de Mulheres do Funk, além de diversos artistas e membros do Movimento Funk. Confira na íntegra o discurso de  Thiago Torres Moura Santos.



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